sexta-feira, 11 de setembro de 2009

o dom de joão

João tinha um dom. Mais que um dom, João era bom. Bom de coração. Coração jovem, mole, bondoso, humilde e amigo mesmo. Bom no que inventasse de fazer também.
Ele sentia que havia algo diferente consigo e, mais profundamente, sentia pena, muita pena daqueles outros que não eram como ele, ágeis intelectualmente. Daria aí um contra-conceito para a sociedade do que é esperteza. Abrangendo essa palavra para mais que o dom do saber e respeitar simultaneamente: ter consciência de que o ser humano sapiens sapiens não somente precisa saber, mas também ser respeitador. E não somente ter, mas ser humilde. Não somente poder, mas ser prestativo. Era assim João.
Quando criança, João brincava com as outras crianças e todos se divertiam muito porque João criava ótimas brincadeiras. Na escola, era um ótimo aluno, bom nos cálculos e nas letras. Era abençoado. Mas ele sentia desde há muito que belezas diversas brotavam dentro de si e que faziam um esforço gigante para mostrar toda a sua essência, porém mal conseguia desabrochar em seus olhos. E João sentia que seus olhos ferviam e suas narinas e sua garganta. E as maravilhas quando viam outras, parece que enlouqueciam, que deixava João deslumbrado, com lágrimas nos olhos (uma tentativa de baixar o calor nos seus olhos e pôr para fora ao menos metade da emoção e das belezas que dentro de si haviam). Mas parava por aí. Não era o suficiente para ele, claro, mas como o melhor dos “homo sapiens sapiens”, como o homem que sabia demais, não podia fazê-lo, seria prepotência demais. Os outros não mereciam concorrer artisticamente com João. De forma nenhuma. Seria desleal. E João sabia disso. E assim foi.
Jamais, a não ser como dever de casa, João escreveu histórias próprias, trabalhos musicados ou encenados ou na pintura.
Durante sua vida, João casou (cedo, inclusive), trabalhou, ajudou a mãe, não teve filhos, porque infelizmente morreu cedo, bastante jovem, lamentavelmente, de um tumor que se iniciou no pulmão e se alastrou por todo o tórax.
E João morreu de um só fim, sem deixar herdeiros de sua inteligência, sem deixar vestígios de sua existência.

2 comentários:

  1. o espaço tá bonito, boas medidas. registro a feliz constatação de que a atriz também sabe expressar seus sentimentos por escrito.

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  2. Nossa q texto profundo....faz a gente pensar no q se leva e no q se deixa na vida....lindo o blog!!! Vou virar frequentadora...bjos

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